No CrossFit, as lesões no ombro são apontadas como as mais frequentes.
Esses dados não surpreendem, considerando que o CrossFit é uma modalidade esportiva de alta intensidade e que o ombro é uma estrutura bastante complexa, que depende de vários fatores para manter a sua estabilidade e evitar lesões.
Mas o fato de as lesões no ombro serem comuns no CrossFit não significa que elas não podem ser evitadas.
Vamos entender a anatomia do ombro e qual sua função nos movimentos do CrossFit, quais os melhores exercícios para fortalecer, tratar o ombro e como prevenir as lesões.
A função do ombro nos movimentos do CrossFit
Entender o funcionamento do ombro é o primeiro passo descobrir o que pode estar fazendo errado e trabalhar para melhorar.
No corpo humano, nós interagimos com o meio ambiente através das mãos. Para que essa interação aconteça precisamos de um braço firme, que dê sustentação à mão para que ela cumpra a sua função.
O CrossFit, mais especificamente, é uma modalidade onde fazemos muitos movimentos de empurrar e puxar, seja o próprio peso corporal, seja um peso externo como uma barra, uma anilha ou um kettlebell.
Para você entender a função do ombro nesses movimentos, vamos usar a analogia do guindaste: ele tem um gancho, que serve para pegar um determinado material; um cabo, que sustenta esse gancho; um braço, que é a parte que movimenta o cabo e permite que o gancho transporte o material de um lugar para outro; e uma base, que mantém essa estrutura presa ao chão.
É mais ou menos assim que o nosso ombro funciona: o gancho são as nossas mãos, que usamos para pegar, puxar ou empurrar as coisas; o nosso braço, coluna e tórax, por sua vez, fazem o papel do braço do guindaste e a sua fixação no chão, dando estabilidade para que o gancho, ou nossas mãos, funcionem no maior grau de amplitude possível.
A amplitude de ombro
É comum algumas pessoas reclamarem que não tem amplitude de ombro, que seu ombro não é móvel o suficiente ou que, sempre que levantam peso acima da cabeça, o ombro trava.
É uma situação que pode ser perfeitamente entendida através da analogia do guindaste: se o guindaste está levantando um objeto muito grande, esse objeto começa a chacoalhar.
Nesse momento, o operador não vai movimentar o objeto muito rápido, não vai movimentar os cabos nem girar o guindaste com muita velocidade. Vai tentar colocá-lo no chão.
O corpo humano age da mesma maneira. Nosso sistema nervoso central avalia e entende o risco que determinado movimento oferece ao corpo e, diante de um risco muito alto, diminui o movimento.
Se a carga é menor, o operador do guindaste controla a máquina com mais facilidade e, como tem mais segurança, pode movimentá-la com mais velocidade. Se algo der errado, se a carga sair do eixo de movimento dela, ele consegue corrigir essa trajetória com mais facilidade.
Então, falando de uma forma bem abrangente, o ombro tem a função de ser um ponto fixo para que os nossos “ganchos” façam um trabalho adequado, seja nos movimentos acima da cabeça, seja nos movimentos abaixo da cabeça, como puxar e empurrar.
O ombro e toda a sua parte proximal, como o tórax e o core, precisam trabalhar de forma organizada. Assim, o ombro fica firme para que as mãos consigam executar corretamente sua função.
Vamos aprofundar um pouco mais, entendendo como as estruturas do ombro funcionam.
A anatomia do ombro e a sua organização dentro dos exercícios do CrossFit
O ombro possui várias estruturas. Entre elas estão a clavícula, o úmero e a escápula, que formam a cintura escapular.
Quando trabalham juntas, essas estruturas fazem o que chamamos de ritmo escápulo-umeral, que é uma organização fundamental dentro da anatomia do ombro.
O ritmo escápulo-umeral é uma sincronia, uma harmonia do movimento do úmero com o movimento da escápula e, depois, com o resto do corpo.
Entre as articulações do ombro, as principais são: a articulação glenoumeral, que faz a conexão do osso do braço, o úmero, com a escápula; e a articulação escápulo-torácica, que faz a conexão da escápula com o tórax.
Nos movimentos do ombro existe, basicamente, uma razão de 2:1 – para cada 2 graus de movimentos realizados pela articulação glenoumeral, 1 grau será realizado pela
Articulação Escapulotorácica.
Em termos práticos isso quer dizer que a escápula faz metade do trabalho do braço: quando fazemos um movimento de 180º no braço, temos que fazer um movimento escapular de pelo menos 90º.
Esse movimento escapular, no entanto, não tem uma articulação definida. Isso porque, ao contrário da articulação gleno-umeral, a articulação escapulotorácica não tem a anatomia de uma articulação comum.
Ela é conhecida como uma articulação imaginária, porque não há um encontro de osso com osso. A conexão da escápula com o tórax é feita basicamente por músculos, principalmente o serrátil anterior, que liga a escápula com as costelas nas partes lateral e da frente, e os rombóides, que ligam o bordo medial da escápula à parte posterior do tórax.
É essa articulação imaginária, a escapulotorácica, que funciona como a base do guindaste – onde há o encontro do chão com o eixo vertical do guindaste – e ela é basicamente feita de músculos.
Havendo esse entendimento, já é possível notarmos alguns erros na execução de movimentos no CrossFit. É comum, por exemplo, a orientação para que as escápulas fiquem travadas atrás.
Quando isso acontece, há uma limitação do movimento: um dos eixos de movimento do guindaste está travado e será muito mais difícil que toda essa estrutura trabalhe da forma organizada como deve ser.
Quando movimentamos o braço em 180º, devemos movimentar a escápula em pelo menos 90º, lembra? Como faremos isso com a escápula travada?
Temos que trabalhar a consciência corporal para que as estruturas do ombro e do corpo trabalhem em harmonia. Mas como fazer isso? Vamos começar com a ativação correta dos músculos ombros.
A ativação dos músculos do ombro
Dentro da anatomia do ombro também é importante entender como os músculos são ativados.
Existe a ativação fásica, que é aquela contração rápida, que dura pouco tempo. E a ativação tônica, que é aquela ativação de baixa intensidade, mas que dura muito tempo.
A maioria dos músculos próximos ao ombro trabalham com contrações tônicas. Eles se contraem em baixa intensidade e se mantém assim até o final do movimento. Essa musculatura tem que fazer alguns ajustes, mas não são ajustes rápidos.
Quando fazemos um Snatch, por exemplo, não podemos esperar uma contração rápida do rombóide. Ele é um músculo de contração tônica, que tem baixa intensidade, mas tem uma longa duração.
E os músculos fásicos, que são o bíceps, o grande dorsal, uma parte dos rombóides e o peitoral, funcionam rápido para fazer a puxada ou a empurrada.
Nesse contexto, podemos afirmar que os melhores exercícios para fortalecer o ombro são aqueles menos dinâmicos.
Vamos citar dois exemplos exercícios para fortalecer:
1.Exercício com o elástico
É comum vermos algumas pessoas que querem fortalecer o ombro fazerem o exercício com elástico em uma sequência de movimentos rápidos de puxa e solta, puxa e solta, o que é um erro.
É necessário adicionar uma contração isométrica ao movimento, da seguinte forma: puxa o elástico, segura por alguns segundos e solta.
Outros exercícios muito bons para os ombros é a Série Blackburn.
Série Blackburn
Esta é uma das séries mais conhecidas para tratamento de ombro. Ela serve tanto para o tratamento de lesões no ombro quanto para melhorar a resistência dos músculos da região.
Para fazer esse exercício você vai:
- – deitar de barriga para baixo com os braços esticados em paralelo ao corpo;
- – abrir os braços, colocando-os cerca de 45º na altura das coxas, na posição A;
- – esperar alguns segundos e colocar os braços a 90º do corpo, na posição T;
- – esperar mais alguns segundos e levantar os braços até 135º fazendo com que as mãos ultrapassem a linha da cabeça, na posição Y;
- – voltar para a posição T, depois para a posição A, e assim sucessivamente.
Todos esses movimentos devem ser feitos sem encostar as mãos ou os braços no chão.
Os músculos devem estar contraídos, não em uma intensidade muito alta, mas o suficiente para dar aos braços um ponto fixo para trabalhar.
Nesse exercício podemos visualizar bem o ritmo escápulo-umeral naquela proporção de 2 graus do movimento do braço para 1 grau do movimento da escápula: as mãos estão trabalhando em uma grande amplitude, mas o ombro fica mais parado em seu lugar.
Agora que você entendeu como o ombro funciona e quais exercícios recomendados para quem esta com dor nos ombros, saiba como prevenir as lesões no ombro.
Lesões no ombro no CrossFit: porque é tão comum e como evitar!
Tanto para prevenir quanto para fazer a reabilitação das lesões no ombro no CrossFit, o primeiro passo é entender quais são as dificuldades do esporte e, principalmente, quais são as dificuldades da pessoa nesse esporte.
Como já falamos, no CrossFit temos muitos movimentos acima da cabeça, que são os mais prejudiciais ao ombro. Além disso, temos exercícios que são realizados com muita carga, inclusive com o peso corporal.
1. Faça adaptações para não sobrecarregar
Imagine um exercício de flexão de braço, por exemplo, onde a pessoa não tem uma estrutura muscular de qualidade para segurar seu peso corporal nas duas mãos. Ou seja, ela não tem força suficiente para fazer esse movimento. Se ela fizer de 100 a 200 repetições de burpees ao longo de um treino, ela vai forçar muito além da sua capacidade.
Essa pessoa deve se conscientizar que é necessário fazer uma adaptação desse exercício, como inserir um movimento isométrico ou fazer o movimento da flexão de braço com o joelho no chão. Isso vai diminuir a intensidade do exercício e diminuir a sobrecarga sobre os ombros e as estruturas musculares. E além disso, evitar compensações como o uso excessivo da lombar.
2. Respeite seus limites
Outro exemplo são os exercícios com a barra acima da cabeça como o Jerk, o Split Jerk e o Snacht. São movimentos de muita instabilidade, em que você vai segurar um peso acima da cabeça, e realizados em uma posição que exige harmonia do complexo do ombro, e por isso oferece muito risco.
Split Jerk
Se você não tem força muscular para segurar esse peso acima da cabeça e se não há uma boa estabilidade do ombro, os riscos serão ainda maiores.
Não levante peso superior a sua capacidade
É como o guindaste que está levantando uma carga com um peso bem superior à sua capacidade.
3. Evolua gradativamente: estabilidade, inntensidade dos movimentos e força
Pensando em alguém que está em fase de reabilitação, primeiro vamos entender como ela estava se posicionando anteriormente e como vamos desenvolver a estabilidade que ela precisa para segurar o peso acima da cabeça corretamente.
Em segundo lugar, vamos aumentando a intensidade dos movimentos e a carga gradativamente, entendendo sempre qual é a carga adequada para ela.
Uma pessoa que tem 70 kg, por exemplo, e não consegue ficar de ponta cabeça e sustentar seu próprio peso, não pode colocar 70 kg no Snacht, por exemplo.
Com os exercícios onde a pessoa fica pendurada na barra é a mesma coisa: se ela não consegue ficar pendurada em posição estática, como ela vai acelerar o movimento do corpo, que vai aumentar o seu peso corporal relativo?
Se uma pessoa de 70 kg ficar balançando, pode pesar até o dobro do seu peso, dependendo da velocidade que ela está pendulando embaixo da barra.
Toes to bar
Se não tem qualidade muscular, não tem força, não tem qualidade de postura, não tem controle de movimento, ela não vai conseguir lidar com a carga do movimento que é maior que o seu peso corporal.
Então essas são algumas situações que devemos pensar para prevenir as lesões no ombro.
E quando já existe a dor no ombro, esses são exercícios que não devem ser feitos na fase inicial do tratamento, e que precisam do desenvolvimento de uma boa consciência corporal que começa com execuções adaptadas.
Ainda pensando na prevenção, é bom priorizar exercícios de musculação como desenvolvimento, elevação lateral e rotação lateral.
4. Trabalhe técnica e exercícios acessórios
Os exercícios acessórios que são feitos na parte de aquecimento do CrossFit, principalmente aqueles exercícios que são considerados mais chatos, com elástico, com pesos pequenos, também são muito importantes.
A etapa de skill das aulas de CrossFit também deve ser priorizada, pensando nos movimentos técnicos, entendendo a técnica antes de aumentar a carga, entendendo os tempos de cada movimento.
Os exercícios de Blackburn também são ótimos para um fortalecimento genérico do ombro.
Conclusão
Como pode ver, o ombro é uma estrutura bastante complexa, que depende de vários fatores para manter a sua estabilidade e trabalhar de forma organizada.
Para evitar lesões no ombro você precisa entender que no CrossFit você deve evoluir gradualmente, sempre respeitando os seus limites.
Tenha cuidado com a questão da superação e dos treinos com foco somente em superar seus limites. Vá devagar, evoluindo e ganhando força de forma consciente.
Existem dois tipos de desafios:
Vencer desafios não é carregar mais do que você consegue.
Vencer desafios é trabalhar diariamente a sua evolução, para que você consiga usar o esporte a seu favor e sair dele mais forte e saudável. E não para sair machucado.
Se você sofre com dores ou lesões recorrentes no ombro, clique aqui para agendar uma avaliação. Ou entre em contato através do WhatsApp (11) 93950-9909.